segunda-feira, 26 de abril de 2010

O estupro das palavras

São violadas, tem de si arrancadas algo que não querem ceder. E não querem ceder porque não podem ceder. Assim se dá o estupro das palavras.
São usadas para nomear e qualificar coisas, situações, sentimentos de uma forma diversa da original.
Daí a necessidade de se intensificar a palavra quando está sendo usada de verdade, sinceramente, no seu sentido real, inicial. Quando ela cede seu significado sem traumas, quando não é usurpada.
A palavra “amor” talvez seja uma das mais agredidas atualmente. O “eu te amo” não vale mais nada. Nada, de absolutamente nada mesmo. Tanto que quando alguém ama outro alguém, realmente, essa pessoa costuma dizer “te amo, de verdade”. Para que esse “de verdade”?
Porque o “eu te amo” é dito hoje como quem diz “olá”. E amar alguém é algo... Algo sobre o qual eu não tenho grandeza suficiente pra falar. Algo muito além de redes sócias e fins de noites boêmias.
“Amizade”, realmente alguém há de redefinir “amizade”. Perdeu o sentido essa palavra. E mais uma vez você tem de dizer “tal pessoa é meu amigo, amigo de verdade”. Porque existem todos os outros amigos de mentira. "Amigo" hoje, basicamente, é o nome que se dá às pessoas com as quais se transou, aí se inclui todo tipo de “ex”, às pessoas com as quais se transa e às pessoas com as quais se quer transar. E amizade é algo dissonante de corpo, é algo ligado a fraternidade, ao interior, amor de irmão. Tesão e sexo casual seriam termos melhor empregados.
“Linda”, tudo bem que beleza é algo que passa por certo senso pessoal e tudo mais, porém certas características fazem de algumas pessoas inegavelmente belas e de outras não tão dotadas de beleza exterior. Porém se diz “linda” para tudo e todos. Eu pessoalmente detesto quando determinadas pessoas me chamam de linda. É quase um xingamento, não quero ser esse “neo-linda”.
“Namoro”, essa, coitada, perdida nesse limbo de violação semântica. Tanto que pra qualificar um namoro real as pessoas recorrem ao “namorando sério”. Porque dizer que se está “namorando” não basta. Estar “namorando” não é bem namorando.
Creio que tudo faça parte de uma legião de pessoas perdidas. A hipocrisia e a afetação se fizeram imperadoras. Das palavras só resta a forma. Nas pessoas uma vaga lembrança do que seriam sentimentos reais. Banalização, violação, pilhagem!