quarta-feira, 31 de março de 2010

Pérolas e porcos

Dona Ana havia feito uma faxina super cuidadosa, aplicou desodorizador em toda a casa, comprou flores lindas, tudo como André pediu.
Quando André chegou do trabalho, nervoso, ansioso, estava tudo como ele havia combinado com Dona Ana, e, ainda um bilhetinho escrito num guardanapo em cima da mesa: Boa sorte André!
Quando chegou ainda faltavam duas horas para Kátia chegar. Foi tomar banho. Demorou só dez minutos no banho.
Colocou a camisa preta que Kátia mais gostava, o perfume que ela mais gostava, o cabelo do jeito que ela mais gostava. Estava pronto. Tão rápido! Que bom ser homem, nessas horas.
Ainda havia tempo. Pegou as sacolas que trouxe da rua, acendeu o incenso preferido dela. O vinho que eles gostavam estava gelando, então, colocou as taças também pra gelar. Ela gostava assim. Bem, ele achava que ela gostava assim, porque era sempre assim que ele fazia.
Foi até o armário, pegou uma caixinha pequena, preta de veludo, nela o anel. Iria pedi-la em casamento, nessa noite.
Tudo pronto. Apagou algumas luzes, deixou uma penumbra confortável. Colocou Billie Holiday pra tocar. Engraçado que esse cd havia sido presente da primeira namorada dele, a Carla... Bateu dúvida: ele gostava de Billie, mas Kátia não, ela gostava de pagode, preferia Exalta Samba, mas ele não queria ouvir isso... Trocou então por Ben Harper... Hoje não poderia fazer o imenso esforço de ouvir pagode, não hoje.
Kátia era tão diferente dele. Mas ele nunca pensava nisso. Mas agora nessa hora de escolher a música para fazer o pedido... Ele se deu conta... Mas ele a amava tanto... Ela era tão... Tão... Ela era bronzeada, olhos verdes, cabelos lindos loiros compridos, corpo torneado, malhado e escultural... Ela era tão especial... Eles... Eles se davam tão bem... Ele achava que sim.
Ela chegou!
Coração quase pulando pela boca, André abre a porta.
Kátia estava vestida com uma calça branca, justíssima, top rosa decotadíssimo, os seios pulando pra fora, as marcas de biquíni todas à mostra, sandália de salto altíssimo, perfume Carolina Herrera 212 Sexy, o cabelo lindo solto, unhas vermelhas. Entrou.
André estremeceu com essa visão, Kátia passou pela porta, deu um selinho nele. André não conseguia conter a emoção, a mulher mais linda do mundo, que ele amava perdidamente, ali. Ela colocou a imensa bolsa no sofá, ele foi em direção a ela, ia abraçá-la...
-André você acredita que o idiota do Armando passou aquele evento do salão do automóvel pra Carol? Mano fiquei possessa! Sou muito melhor que a Carol. Garota seca, desbotada, sem graça. Mano... Mas também falei uma pá pra ele. Ainda veio com idéia de loco pra cima de mim. Dá licença mano. Não quero nem saber. Também liguei pro Jorginho e falei que se ele não mandar o Armando tirar a Carol e colocar eu, eu saio fora de lá. Dá licença mano... Então... Só passei pra dizer que hoje não vai dar pra eu ficar aqui. Amanhã cedo tenho umas fotos lá naquela parada que te falei, pra conseguir a campanha... Mano... Hoje to muito nervosa... Tô indo amor... Dá bezinho...Tchau...Esse tapetinho da porta é novo? Beijo amor!
André tirou o cd do Ben Harper, colocou Howlin Wolf... Lembrou do dia que havia levado uma flor, uma única flor pra Carla, e entregado na catraca da estação de metrô Sé... Seus olhos brilhavam de alegria. Ela guardou a flor, por anos, até onde ele soube, dentro do exemplar de Madame Bovary que eles haviam comprado juntos no sebo.

terça-feira, 23 de março de 2010

E esse seu olhar...

Sim, vou, vamos, façamos isso, já que estamos aqui, façamos. Não se tem nada a perder. E por supor algumas coisas banais que nos perdemos, achando. Mas está tão longe, é tudo tão improvável, só um instante, um lance, um olhar, um abraço, um perfume pairando no ar. Vou sair correndo daqui. Vou pagar pra ver. Somos tão invulneráveis. Os planos estão todos traçados. Metas determinadas. Acasos não abalam certezas absolutas. Absolutas? Volta aqui! Vou ficar aqui. Tá vendo aquelas luzes? Cheiro bom. Um abraço. Um selo. Um elo. Vamos então! São quinze minutos. Rápido chegaremos. Mas e os planos? E a rota? Meu GPS interno se autoconfigurou. Momentos. Não importa. Mas a voz emudece. O olhar suaviza. Onde estou? É tudo tépido, intensa flutuação, inundação de emoções, perdição de todos os sentidos, incerteza completa, é só uma noite, alguns minutos insanos nesse vácuo de inconsciência louca e intensa . De certo, apenas que não há certeza. Colisão de rotas. Impacto. Desnorteio repentino. Prosseguimos? Pra onde?
Foi o olhar, só o seu olhar, só um olhar, foi só o seu olhar, seu olhar, olhando, olhou.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Pra você nada tenho

Não te dou!
Por favor, só um pedaço!?
Não!
Mas por quê?
Não consigo entender, o porquê?
Pra você não dou!
Espere, você não tem ou tem e não quer dar pra mim?
Enfim, entendeste: eu tenho, tenho muito, abastadamente, só pra você que não dou!
Muito bem, isso é essencial de se saber!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Olhar você

Se fosse uma cor, seria dourado.
E se fosse um horário, seria manhã.
Teu corpo esguio, indefeso e calmo.
O sono pueril, teus cabelos lindos macios.
E se fosse sensação, seria o êxtase.
Momento perpétuo de prazer insondável.
E adjetivo: delícia!
E se fosse um nome, seria o seu.