Eles eram um casal incomum, o Afrânio era calmo, baixinho,
careca... Muito calmo mesmo, de uma paciência sem limites.
O Afrânio tirou Zulmira de um puteiro na Rua dos Guaianazes,
a chamada “boca do lixo” cruzamento da Rua Aurora, no centro de São Paulo, em
tempos memoráveis berço da sociedade conservadora paulistana, com suas confeitarias
chiquíssimas. Hoje decadente, ruas cheias de lixo, cheia de Night Clubs.
Foi de lá que a adorada esposa do Afrânio veio.
Numa das visitas ao Club
Brisas, Afrânio conheceu a futura esposa, linda e vulgar, a maquiagem escura
pesada e escorrendo pelo suor de vários programas que já havia feito naquela
noite.
No próximo programa com a puta decadente, Afrânio já
estava completamente apaixonado, pediu-a em casamento.
No começo tudo foram alegrias para a Zulmira: as roupas
novas de mulher séria, os paninhos todos de cozinha, os bordados com o nome do
casal nas toalhas de banho, a cozinha, a sala, o quarto, o banheiro sempre
limpo, as comidinhas e os tapetinhos nas portas. A casa era um brinco, era um
sonho. Um sonho para quem nasceu com esse sonho.
Quanto mais o tempo passava mais o calmo Afrânio idolatrava
a mulher e mais a Zulmira entediava-se.
Havia algo de calmo e de bom que Zulmira não gostava
naquela vida de casada. Naquele mesmo homem todas as noites, naquele cheiro de
alfazema que era o dela agora.
Sentia mesmo era saudade do cigarro, da bebida, da
maquiagem preta nos olhos claros, das roupas curtas e apertadas, do Poison Hypnotic, dos vários homens
descartáveis que amava e odiava a cada programa, das histórias todas que ouvia.
Saudade de ser apertada, de ser possuída com raiva, com
carinho, com lascívia, com prazer, com desprezo, mas de um jeito diferente de
cada vez, de um jeito sujo de cada vez.
Naquele dia quando Afrânio voltou do trabalho não
encontrou o jantar pronto, como sempre. Nem tampouco Zulmira cheirando a
alfazema no sofá... Não havia ninguém em casa.
Zulmira não levou nada, foi embora como chegou: somente
com uma calcinha vermelha de renda gasta e um rímel preto.
Zulmira voltou para a Rua dos Guaianazes, voltou a ser
Samantha, seu nome de guerra.
Afrânio morreu de desgosto!