sábado, 23 de agosto de 2008

A existência

Simão aos quatro anos fez um castelinho de areia e sonhou. Leonel aos cinco anos catalogou todas as árvores do quintal. Gabriela aos seis anos passava seus dias de ócio olhando pro céu.
Simão aos sete chorou, chorou muito porque o castelinho ruiu, ele o perdeu. Leonel aos sete era o intrigante aluno perfeito, e quieto e perfeito, sempre. Gabriela já tão cedo sentia o peso do mundo com uma vida difícil e dura, sentia fome.
Aos dez anos Simão decidiu erguer outro castelo. E Gabriela disse que jamais sentiria fome outra vez. Leonel teve seu primeiro livro publicado, era sobre o efeito da fome na infância, que ele nunca sentiu.
Aos quinze, Leonel era o mais perfeito aluno e filho e neto, continuava catalogando coisas. E Simão continuava criando coisas, seus castelos agora, ainda caiam, mas ele aprendia. Gabriela descobria que a dor molda um espírito, assim como o fogo a espada. E Simão fez um amigo, e Gabriela um amor e Leonel uma tese.
Com vinte anos Leonel já estava praticamente formado, seu catálogo crescia mais e mais. Gabriela com essa idade sonhava com a faculdade, parecia impossível. Simão começou a vender algodão doce.
Os anos perderam-se no tempo, mas Gabriela percebia que as feridas da vida cicatrizavam e a pele nesse lugar era grossa, mais que antes. Leonel chegou ao ápice de suas conquistas, acabou. Simão não deu certo como vendedor de algodão doce.
Gabriela conseguiu seu sonho com trabalho e ainda tinha amigos e tinha amor e tinha coração e uma conta no banco. E Simão levantou um circo e tinha palhaços e tinha algodão doce e tinha felicidade e ainda muitos amigos. E os dois ainda não tinham acabado e o mundo estava apenas começando, porque tinham sonhos e um coração.
Leonel, esse tinha títulos e livros e estantes e catálogos e teses e dias e dias e muitos dias de uma vida inteiramente vazia pra viver eternamente.

2 comentários:

  1. todos temos nossos momentos e consciências de Gabriela, Simão e Leonel,
    não da pra dispensar um e assumir o outro, não da assumir o outro e dispensar um,
    eu ? acho que sou um pouco de cada um e nada ao mesmo tempo
    sei lá
    bjsss

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  2. Uma vida de sonho e algodão doce... pode-se viver disso. Ou pode-se querer conhecer a realidade que nos cerca e crescer (ou cair de vez) com isso.
    Acho que vou levantar um circo, com palhaços e algodão doces. Rsrsrs.
    Como sempre, muito bom.
    Bj

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